Quando
cheguei na escola popular, em abril de
1987, mergulhei em um novo mundo, que aquele encontro me ofereceu, me envolvi
totalmente, por inteira em um novo modo de viver,de rezar e de lutar. Inicialmente fui convidada por Irmã
Siebra e Pe Machado para dar umas
aulas, sobre História do Brasil: Brasil colônia , Brasil império e
Brasil República.Eu era jovem, tinha 7 ano de casada, comentavam que eu era uma ótima professora de História; lá em
Massapê,em minha cidade natal, eu já lecionava embora muito nova, em dois
colégios particulares,no Educandário nossa senhora do Carmo e no centro
Educacional Massapeense e 1977 ganhei um contrato do estado para ser professora
no colégio Adauto Bezerra,mas meu pai era do PMDB,partido contra o do Prefeito
,e acabei sendo prejudicada me deram apenas 70 horas aulas,mas isso é um outro
assunto,como estava falando,eu tinha 11
anos de experiência e estava ali no
CEPRI“ me achando...”dar aulas para os trabalhadores do campo, era muito fácil
,eu pensava que sabia muito, que tinha um vasto conhecimento em História pois
iniciei minha carreira de professora de história antes mesmo de me
formar.Cheguei no CEPRI as 8 da manhã ,era um sábado. Fui apresentada ,para a
turma eu também me apresentei. Fiz uma
dinâmica com os alunos,eram em sua
maioria pessoas bem mais velha que eu,outras tinham a minha idade e poucas eram
mais novas do que eu...lembro que passei toda manhã explanando minha aula.Eu
mesma me avaliando, achei que fui ótima . Não tinha idéia
que eu era totalmente
analfabeta política. Foi ali que me dei conta disso...Os participantes da escola
popular eram pessoas simples,trabalhadores sindicalizados,estudavam política ,discutiam
problemas sociais, eram sábios, animados,cantavam ,falavam,debatiam assuntos
polêmicos da conjuntura política, tocavam violão,pandeiro, sanfona. Enfim eram
ótimos. Quando terminei,fui aplaudida e foi ai então que Pe Machado levantou
de sua cadeira ,para dar continuidade o programa da escola popular, era sua vez de
participar no encontro, e iniciou sua tarefa
puxando uma música, que logo foi
acompanhada por todos: Se o boi
soubesse da força que tem não puxava carroça e a abelha, da dor da picada não
roubavam seu mel, e a terra era terra e o céu era o céu como era bom se toda
semente crescesse e a razão pudesse sempre dominar e essa paz fosse que nem uma criança andasse solta feito
a noite de luar se na inveja colocasse um cabresto Na ambição colocasse um
cortador na violência uma espora amolada deixasse a
rédea Solta na mão do amor... Em seguida
o Pe Machado explicou diplomáticamente dos dois jeitos de se contar
a História : o jeito do mito e jeito da lógica... Fiquei curiosa, atenta aquele
assunto ali abordado.E foi então que percebi, que meu jeito de contar
História era o jeito da lógica: a história bem arrumadinha
do jeito que está escrita nos livros ,a maneira que os formados contam. Dom Fragoso era
bispo de Crateús, um bispo, tão bom,tão
humano,inteligente, culto, que pela sua luta pelos pobres em busca do reino de
DEUS ,ficou conhecido como o profeta dos pobres,pois vivia a fé, o espaço político, o
espaço das relações humanas em um novo jeito de ser igreja: cebs, povo que
luta,que se organiza,buscando libertação.Pessoas que acreditam ser esta a proposta do
movimento de Jesus, o projeto do Reino aqui na terra;Dom Fragoso estava presente no encontro e na oportunidade
em que me acolheu fez o seguinte
comentário: Maryane,como você gosta muito do que faz, nós precisamos muito em nosso
meio de uma professora como você.Venha engrossar as fileiras dos que lutam por
justiça venha nos ajudar.Que DEUS te der
juízo.Pe machado também falou, venha Maryane participar das comunidades.
conhecer o mundo dos trabalhadores.Venha lutar por justiça ,paz... Fique aqui
,participe da escola popular,você vai
gostar muito, de conhecer este novo
jeito de ser Igreja. Nós vamos falar sobre conjuntura política,luta e organização e é muito bom para você que é
uma professora de história. Em seguida irmã Siebra me apresentou a umas
pessoas que estavam ao meu lado :Chico Belo, Zequinha Moreira, Luiz
Antonio,Joaquim Gaspar,Macedo e disse: ‘eles fazem parte de uma pequena equipe
dos participantes da pastoral dos trabalhadores. Eles vão lhe ensinar sua
tarefa na escola coloque sua
profissão a serviço dos oprimidos. A
serviço do reino.’E ali fiquei participando pois logo me empolguei, me enturmei,e me conscientizei...Aquele
encontro de trabalhadores era muito bom, muito rico. Foi dessa equipe que comecei a entrar no mundo dos trabalhadores
sem terra explorados e logo me engajei nos
movimentos das cebs. As CEBs tinha um compromisso político, mas a partir da fé
cristã. A partir
daí, passei a
me interessar por
política, por conjuntura política. Nas cebs a participação e a discussão
dos problemas é em forma de assembléia. Os representantes das Cebs encontram-se
periodicamente para celebrar e avaliar sua caminhada.Sempre com um olhar
crítico para a realidade.Ao buscar
informações sobre trabalho exploração, ideologia dos oprimidos , ideologia do
opressor, passei ler livros de Leonardo Boff, Marx e livros de história com uma
visão diferente, cartilhas políticas,e muitos outros.Comecei a apreciar e a
ouvir outros tipos de músicas... Aprendi
tantas coisas,que fizeram de mim
uma mulher mais completa,aprendi a lutar,a celebrar , a refletir ,aprendi a
amar e que meu nome é mulher. Como aprendi
com Pe machado,com os trbalhadores,,como aprendi nos movimentos populares,como aprendi nas
cebs...Fui coordenadora da CPT ,( comissão da pastoral da terra),coordenei a
Pastoral das mulheres.fui coordenadora da pastoral da família.Participei da
pastoral indígena com a ajuda da irmã
Margarette, uma missionária Belga
que lutava para reorganizar os índios da região.Fui presidente do PT.
Participava das celebrações...aprendi as
várias formas de rezar.


Em
1989 ,no centenário da República ,ano de eleição.Sem medo de ser feliz,todos
trabalhadores organizados lutavam pela eleição de LULA.
Três eram os principais candidatos deste tão almejado pleito: Fernando Collor
de Mello, o renovador do conservadorismo, Luís Inácio Lula da Silva, o
candidato das massas,representante dos trabalhadores e era o nosso preferido, e
Leonel Brizola, que era o favorito da elite intelectual, mas fomos duramente
surpreendido após a apuração. Nos dias 15 e 16 de novembro, assim, o Brasil
votou e levou ao segundo e sofrido turno, Lula e Collor, abrindo uma segunda
campanha eleitoral emocionante
angustiante e imprevisível.Fomos a luta,meus irmãos trabalhadores do
campo,da cidade,toda militância,tentando conscientizar um povo cego,surdo e
mudo.como eu até fiz uma paródia, que saiu
assim, na linguagem popular:compadre tu ta vendo o que eu to
vendo,compadre tu tará com a vista escura tem candidato no Brasil de todo
jeito,mas pra tu votar direito tem que votar no Lula.E assim sonhávamos com a
vitória do nosso Lula,a quem os tolos chamavam de sapo barbudo.Fui perseguida
no emprego,diziam que eu estava ficando doida.Eu só tinha 70 hora aula,todos
ganhavam um aditivo menos eu. Como sofri. Mas fiquei firme apaixonada pela
luta,por LULA. A esperança era muito forte.Meus filhos tinham uma camiseta
:estou crescendo junto com o PT,a minha
camiseta era “Companheiro presidente.Nos comícios buscávamos criatividades,o
deputado João Alfredo,marcava presença, levava com ele artistas com bonecos,falantes,cantores, Zé Vicente,e outros. Eu,Zequinha Moreira, Furi,Macedo, colocávamos nossos filhos para se apresentar nos comícios e cada um se
apresentava:minha mãe é professora e vota no Lula,outro já dizia ,meu pai é
bancário e vota no Lula ,e o outro repetia meu pai agricultor e vota no
Lula.Foi grande a peleja.Todas as noites visitávamos uma comunidade e fazíamos
uma reunião .As reuniões eram animadas,mesmo só
com a presença dos trabalhadores e da equipe paroquial.terminavamos
nossas reuniões cantando : De repente nossa vista clareou!
Clareou! Clareou! E descobrimos que o
pobre tem valor. Tem valor! Tem valor!
. Nós descobrimos o valor da união, que
é arma poderosa, e derruba até dragão. E já sabemos que a riqueza do patrão, e
o poder dos governantes, passa pela nossa mão.
Nós descobrimos que a seca no Nordeste, que
a fome e que a peste, não é culpa de Deus Pai, a grande culpa é de quem manda
no país, fazendo o povo infeliz, deste jeito é que não vai. O que nós vemos é
deputado e senador, militar e jogador, recebendo milhões. Enquanto isso o
povo trabalhador, derramando seu suor, tem que viver de tostões.
Lula veio a Crateús...Como foi bom.Era a caravana da
cidadania.Um sonho realizado,conhecer o LULA ...abraça-lo. Como foi marcante
em minha vida .Como eu era a presidente do PT em Ipueiras pude jantar com
ele,conversamos,tiramos fotos...uma voz só entoava: Passa o tempo e tanta gente a
trabalhar De repente
essa clareza pra votar . Quem sempre foi sincero e
confiar . Sem medo de ser feliz, quero ver chegar
...
Lula lá, brilha uma estrela.
Lula lá, cresce a esperança
Lula lá, o Brasil criança
Na alegria de se abraçar
Lula lá, com sinceridade
Lula lá com toda certeza
Pra você, meu primeiro voto
Pra fazer brilhar nossa estrela
Lulá lá é a gente junto
Lula lá valeu a espera
Lula lá, meu primeiro voto
Pra fazer brilhar nossa estrela ...
A imprensa, a GLOBO apoiava Collor,jovem, metido a
bonito,caçador de marajás, o arrojado candidato Collor, que se vestia com
roupas de esportista trazia em seus discursos e propostas o neoliberalismo e
a promessa de renovação. Lula, o sindicalista,pobre,analfabeto (na visão dos
poderosos) tinha o apoio de Brizola mas igualmente a antipatia da classe
média , achavam que o PT era
comunista. No fim do ano, a resposta foi clara e perversa. Após recuperar sua
cidadania, garantida pela Constituição de 1988, o eleitorado brasileiro
elegia Collor Presidente da República.Foi tudo muito triste,para quem queria
um Brasil descente.Sofremos muito...eu sofri muito.Tanta humilhaçao O
povo sem consciência política,estavam nas ruas,comemorando a derrota do povo.E
na cegueira zombavam,soltavam fogos na minha casa ,na casa paroquial.Os
trabalhadores sofreram.Mas logo iniciamos a luta...Lula montou um governo
paralelo,era a esperança renascendo...
Com base na viva experiência que vivi nas
comunidades eclesiais de base (CEBs),que possibilitou também para mim um despertar de uma
dignidade até então escondida,guardada. Uma experiência vivida como
enriquecimento pessoal. Juntamente com a afirmação de minha dignidade pessoal
que foi um presente de DEUS, Foram inúmeros os desafios assumidos ao longo de
minha aprendizagem, no compromisso com o processo libertador dentro das cebs,
como nos programas de Rádio que aprendi a fazer,nos programas das Ave Maria ,as
6 da tarde,eu Pedro, Zé Aristides,Beta,Chiquinha,Diomar. O compromisso com o
outro... o dom da autocomunicação de Deus, a graça de uma amizade verdadeira que enche de gratuidade a nossa
vida. Faz-nos ver como um dom, nossos encontros com os outros homens, nossos
afetos,as discussões, tudo o que acontecia nos encontros das CEBS. Isso para
mim é abertura ao dom gratuito de Deus que despoja o militante, desaloja-o de
seu egoísmo e arrogância e potencializa de gratuidade o seu amor aos outros.
Um
dia desse ,fui a Tamboril ,ensinar pela UVA ,e me surpreendi com Irmã
Siebra,que foi me visitar,na sala de aula e senti o orgulho nos olhos dela, quando ela falou para de alunos: Maryane é uma professora das Cebs.Do meio popular...
Fiquei hospedada na casa paroquial de
Tamboril.Minha família do coração. Qualquer momentos com estas pessoas é muito rico em conhecimeto. É como ler um livro.
Termino esta história do jeito que eu me apresentava nas reuniões das cebs: Meu nome é Maryane Andrade ,a melhor coisa que já fiz foi entrar nas comunidades. |
|
|