Mineração no Brasil Colônia
Condicionantes da mineração – Até
o século XVII, a economia açucareira era a atividade predominante da
colônia e o interesse metropolitano estava inteiramente voltado para o
seu desenvolvimento. Porém, a partir de meados do século XVII, o açúcar
brasileiro sofreu a forte concorrência antilhana, claro, os holandeses,
uma vez “expulsos” passaram a produzir em suas colônias no Caribe,
fazendo com que a Coroa portuguesa voltasse a estimular a descoberta de
metais.
Os paulistas, que conheciam bem o
sertão, iriam desempenhar um papel importante nessa nova fase da
história colonial. Já em 1674, destacou-se a bandeira de Fernão Dias
Pais, que, apesar de não ter descoberto metais preciosos, serviu para
indicar o caminho para o interior de Minas. Poucos anos depois, a
bandeira de Bartolomeu Bueno da Silva – o Anhangüera – abriria caminho
para o Brasil central (Goiás e Mato Grosso).
Descoberta do ouro e povoamento
– A procura de metais preciosos no Brasil era bem antiga e datava do
início da colonização, sobretudo depois da descoberta da rica mina de
prata de Potosí, em 1545, na atual Bolívia. A criação do governo-geral
em 1548, e a sua instalação no ano seguinte, foi um reflexo daquela
descoberta.
De fato, diversas foram as “entradas”
(expedições sertanistas oficiais) que partiram da Bahia, Espírito Santo,
Ceará, Sergipe e Pernambuco para o interior.
Os principais exploradores do sertão,
foram os paulistas. Com um irrisório apoio oficial, Fernão Dias Pais
partiu em 1674 para o sertão, onde permaneceu por seis anos, chegando ao
Jequitinhonha. Porém, não descobriu nada de valor. Em 1681 encontrou
turmalinas acreditando serem esmeraldas.
Contudo, durante os anos em que
permaneceu no sertão, desbravou grande parte do interior das Gerais e
abriu caminho para futuras descobertas de importância.
Costuma-se atribuir o início da
mineração à descoberta do ouro feita por Antônio Rodrigues Arzão, em
1693, embora a corrida do ouro começasse efetivamente com a descoberta
das minas de Ouro Preto por Antônio Dias de Oliveira, em 1698.
Além de se difundir pelo Brasil, a notícia chegou a Portugal através da correspondência dos governadores ao rei.
De diversos pontos do Brasil começou a
chegar grande quantidade de aventureiros, ávidos de rápido
enriquecimento. Mesmo de Portugal vieram, a cada ano, cerca de 10 mil
pessoas, durante sessenta anos.
A primeira conseqüência desse
deslocamento maciço da população para as regiões das minas foi a grave
carestia, que se tornou particularmente catastrófica nos anos 1697 –
1698 e, novamente, em 1700 – 1701. O jesuíta Antonil, que viveu nesse
tempo, escreveu que os mineiros morriam à míngua, “com uma espiga de
milho na mão, sem terem outro sustento”.
A Guerra dos Emboabas – O
estopim da guerra foi o desentendimento entre Nunes Viana e Borba Gato,
que era guarda-mor das Minas e, portanto, representante do poder real. A
fim de combater o contrabando do ouro, a Coroa havia proibido o
comércio entre as Minas e a Bahia, com exceção do gado. Apesar dessa
determinação, o comércio proibido continuou, sob a liderança de Nunes
Viana. Borba Gato determinou então a expulsão de Nunes Viana das Minas,
mas este não a acatou e foi apoiado pelos emboabas.
Ora, a maior parte das Minas era
ocupada pelos emboabas, e os paulistas estavam concentrados no rio das
Mortes, de onde os emboabas decidiram, então, desalojá-los. Sendo
minoritários, os paulistas se retiraram, mas um grupo deles, com maioria
de índios, foi cercado pelos emboabas, que exigiram a rendição,
prometendo poupar-lhe a vida caso depusesse as armas. Foi o que fizeram
os paulistas. Mas, mesmo assim, foram massacrados no local que ganhou o
nome de Capão da Traição.
Expulsos das Minas, os paulistas penetraram em Goiás e Mato Grosso, onde novas jazidas seriam descobertas.
A articulação econômica
– Ao abrir-se como um grande mercado, a mineração foi responsável pela
articulação econômica da colônia, integrando não apenas São Paulo, Rio e
Bahia, mas também, através de São Paulo, a região sulina como um todo.
O gado muar era essencial como meio de
transporte. E o principal centro produtor estava localizado na região
platina, que, tradicionalmente, fornecia esse gado para as minas
peruanas. Com a decadência destas últimas, um novo estimulo para a sua
criação veio de Minas. Assim se intensificou a ocupação da região
platina, que resultou, no final, na incorporação do Rio Grande do Sul ao
domínio português.
Minas era também um grande mercado de
escravos. A crescente demanda de mão-de-obra escrava provocou
significativas alterações no tráfico. Na África, a moeda de compra de
escravos era o fumo. A Bahia e Pernambuco tornaram-se, ao mesmo tempo,
grandes produtores de fumo e agenciadores de escravos africanos,
propiciando o aparecimento de armadores e traficantes brasileiros.
Os traficantes nordestinos chegaram a
superar a concorrência de nações poderosas como Inglaterra, França e
Holanda, batendo também os portugueses.
Beneficiados com a abertura do
“caminho novo”, mercadores do Rio de janeiro se dedicaram intensamente
ao tráfico, utilizando, como moeda de compra de escravos, aguardente
(pinga), açúcar e até ouro.
A intensificação do tráfico teve
efeitos internos importantes. Na Bahia e em Pernambuco ocorreu a
expansão da cultura do tabaco e, no Rio, do engenho de aguardente,
destacando-se Parati.
Assim, atuando como pólo de atração
econômica, a mineração favoreceu a integração das várias regiões antes
dispersas e desarticuladas. Surgiu, desse modo, um fenômeno antes
desconhecido na colônia: a formação de um mercado interno articulado.
Outra conseqüência importante da mineração foi a de ter deslocado o eixo
econômico do nordeste para o sul, valorizando principalmente o porto do
Rio de Janeiro. Não foi por acaso que em 1763, na administração
pombalina, â capital da colônia acabou transferida da Bahia para o Rio
de Janeiro.
Contrabandeando
Portugal
tinha, nesse quadro, uma posição parasitária. A Coroa procurava extrair
o máximo de benefício através da cobrança de impostos, adotando medidas
para evitar â sonegação e o contrabando. E não perdia nenhuma
oportunidade para carrear o ouro para os seus cofres. Ela cobrava
impostos nas alfândegas portuguesas e brasileiras, impunha taxas para â
passagem de rios, estabelecia impostos para lojas e vendas e também
sobre â comercialização de escravos, sem contar os impostos que incidiam
diretamente sobre â mineração, como o quinto.
Porém,
Portugal tinha um ponto fraco: â sua indústria manufatureira era muito
pouco desenvolvida, de modo que â maioria das mercadorias vendidas às
minas era importada da Inglaterra. Os ingleses possuíam, só em Lisboa,
cerca de noventa casas comerciais. Assim, lucravam indiretamente com o
comércio entre Portugal e o Brasil e, também, diretamente através do
contrabando. E esse contrabando era feito abertamente e, muitas vezes,
com â cumplicidade das autoridades coloniais portuguesas.
Os
holandeses e franceses, que não tinham esse mesmo acesso, conseguiam
introduzir suas mercadorias através do contrabando realizado com navios
brasileiros na África, que, além de escravos, traziam seus produtos para
serem vendidos nas minas.
Mineração e urbanização
A
atividade mineradora era altamente especializada, de modo que toda
mercadoria necessária ao consumo vinha de fora. Por isso, ao lado dos
milhares de mineradores, foram se estabelecendo artesãos e comerciantes,
dando à região das minas um povoamento com forte tendência
urbanizados. Também â administração, preocupada em evitar o contrabando
e â sonegação, favoreceu a urbanização. O agrupamento em cidades
facilitava o controle sobre â produção minerados.Assim, rapidamente os
arraiais de ouro se transformavam em centros urbanos: Vila Rica do Ouro
Preto, Sabará, Ribeirão do Carmo (atual Mariana), São João del Rei, etc.
Por
serem grandes as incertezas, â atividade mineira não permitia â
constituição de empresas de grande vulto, em caráter permanente, salvo
em casos reduzidíssimos dos grandes mineradores. Para as empresas de
menor tamanho, devido às incertezas e à voracidade fiscal, a situação
geral era a impermanência, o que resultou numa forma muito especial de
trabalho escravo. Não podendo arcar com os custos da manutenção de uma
escravaria numerosa, os pequenos mineradores davam aos escravos, em
geral, uma autonomia e liberdade de iniciativa que não se conheceu nas
regiões açucareiras. Muitas vezes trabalhavam longe de seu senhor ou
mesmo por iniciativa própria, obrigados apenas à entrega da parte de
seus achados. Essa situação possibilitou aos escravos acumularem para
si um certo volume de riqueza que, posteriormente, foi utilizado na
compra de sua alforria (liberdade).
Apesar
disso, não se deve concluir que â escravidão fosse menos rigorosa nas
minas. Tal como nos centros açucareiros, â desigualdade foi reproduzida
com â mesma intensidade e â pobreza contrastava com â opulência de uma
minoria. Ao contrário do que se acreditava, â mineração não foi mais
democrática. E mais: as grandes fortunas não tiveram origem na atividade
mineradora, mas no comércio.
A administração das minas
Diferentemente
das outras atividades econômicas da colônia, a mineração foi submetida â
rigorosa disciplina e controle por parte da metrópole. Aqui, as
restrições atingiram o seu ponto culminante. Desde o século XVII â
mineração já se encontrava regulamentada. Os Códigos Mineiros que foram
criados no início do século XVII, embora admitissem â livre exploração
das minas, impunham uma fiscalização rigorosa na cobrança do quinto
(quinta parte do ouro extraído).
Com
as descobertas do final do século XVII, â metrópole elaborou um novo
código, que substituiu os anteriores e perdurou até o final do período
colonial: o Regimento dos Superintendentes, Guardas-mores e Oficiais
Deputados para as Minas de Ouro, que data de 1720. Para a aplicação
efetiva das medidas contidas no regimento, foi criada â Intendência das
Minas para cada capitania em que o ouro havia sido descoberto. A
principal característica desse órgão era a sua completa independência em
relação a outras autoridades coloniais. A intendência reportava-se
diretamente ao Conselho Ultramarino.
O
mais alto cargo da intendência pertencia ao superintendente ou
intendente, que aplicava a legislação e zelava pelos interesses da
Coroa. Outro funcionário importante era o guarda-mor, a quem competia a
repartição das datas (lotes de jazidas auríferas) e a fiscalização e
observância do regimento em locais distantes; em certas circunstâncias
cabia ao guarda mor nomear, pára substituí-lo, os guardas-menores.
A
fim de evitar as sonegações, outro elemento veio a se agregar à
administração: a Casa de Fundição. Na verdade, ela existia desde 1603 e,
de acordo com o Código Mineiro da mesma data, deveria ter uma função
importante na arrecadação do quinto. Todo o ouro extraído deveria ser
levado a essa casa e fundido em forma de barra, da qual se deduzia,
automaticamente, o quinto da Coroa. Nas barras assim fundidas ficava
impresso o selo real e só assim o ouro podia circular.
Todas
as descobertas deveriam ser comunicadas à intendência. Em seguida, os
guardas-mores delimitavam a zona aurífera em diferentes datas. Em dia,
hora e local previamente anunciados, fazia-se a distribuição das datas:
a primeira cabia ao descobridor, a segunda à Coroa, que a revendia
posteriormente em leilão, e, a partir da terceira, procedia-se por
sorteio, embora a dimensão das datas fosse proporcional ao número de
escravos do pretendente.
A
exploração das datas deveria iniciar-se num prazo de quarenta dias.
Caso contrário, o proprietário era obrigado a devolver o seu lote. Em
caso de perda dos escravos, a data poderia ser vendida.
Tributaçao em Minas :
O objetivo da Coroa era garantir, por todos os meios, a sua renda. Desde o século XVII, existia uma legislação minerados que estipulava o pagamento de 20%° (1/5) do ouro descoberto e explorado. Com a descoberta do ouro em Minas, o primeiro problema foi o de saber de que modo esse imposto - o quinto - deveria ser cobrado:
O objetivo da Coroa era garantir, por todos os meios, a sua renda. Desde o século XVII, existia uma legislação minerados que estipulava o pagamento de 20%° (1/5) do ouro descoberto e explorado. Com a descoberta do ouro em Minas, o primeiro problema foi o de saber de que modo esse imposto - o quinto - deveria ser cobrado:
Utilizaram-se, basicamente, três formas: a capitação, o sistema de fintas e as Casas de Fundição.
A
primeira a ser aplicada foi a capitação, que era, na prática, um
imposto que incidia sobre o número de escravas de cada minerador,
esperando-se, com isso, que a arrecadação correspondesse ao “quinto”.
Mas essa medida gerou revoltas, pois os mineradores ficavam sujeitos ao
pagamento mesmo que seus escravos não encontrassem ouro algum.
Tentou-se,
por isso, adotar o sistema de fintas, que consistia no pagamento, pela
população minerados, de 30 arrobas anuais fixas, que, teoricamente,
corresponderiam ao quinto. Mas quem não concordou dessa vez foi o rei,
que obrigou à volta ao regime de capitação. Devido a novas revoltas, ele
recuou e aceitou o sistema de fintas, cujo pagamento foi garantido
pelas Câmaras Municipais locais. Esse sistema foi adotado em 1718.
O
rei continuava insatisfeito. Secretamente fez os seus funcionários
trabalharem para a instalação das Casas de Fundição nas Minas. Segundo
esse novo regime, os mineradores seriam obrigados a enviar o ouro em pó
para ser fundido e transformado em barras com o selo real nas Casas de
Fundição, onde o ouro seria automaticamente quietado.
Em
1719, o governador de Minas, o conde de Assumar, anunciou a instalação,
para o ano seguinte, das Casas de Fundição. A notícia deu origem a
boatos, e os mineradores se revoltaram em vários lugares. O governo de
Minas, entretanto, contava com uma tropa recémcriada, os dragões, que
foi imediatamente utilizada para sufocar as rebeliões. Em junho de 1720
eclodiu em Vila Rica um sério levante organizado por grandes
mineradores, ao qual aderiram também os setores populares encabeçados
por F’ Filipe dos Santos. No processo, o movimento se radicalizou e
acabou sendo controlado por este último. Provavelmente por sua sugestão,
os revoltosos chegaram a pensar em assassinar o governador e declarar a
independência da capitania.
Dezesseis
dias depois da eclosão da revolta, Assumar ocupou Vila Rica com 1500
soldados e pôs fim ao movimento. Filipe dos Santos foi sumariamente
condenado e executado e o seu corpo esquartejado.
Cinco anos depois dessa revolta, finalmente entraram em funcionamento as Casas de Fundição (1725).
A
Coroa e as autoridades coloniais achavam que o único modo de evitar o
contrabando e a sonegação era retirar o máximo das minas. Assim, o
desvio do ouro, se continuasse, seria menor. Por isso, dez anos depois, o
rei ordenou o retorno ao sistema da capitação. Em 1751 a capitação foi
novamente abolida para se adotar um sistema conjugado: Casas de Fundição
e cobrança de cotas anuais fixadas em 100 arrobas (1500 kg). Além
disso, ficou estabelecido que, se as cotas não fossem pagas, toda a
população ficaria sujeita à derrama (cobrança forçada para completar as
100 arrobas). Esse recurso extremo e odiado pelos mineiros foi um dos
fatores que levaram à Inconfidência Mineira em 1789.
Distrito Diamantino
– A opressão colonial havia se intensificado consideravelmente na
mineração do ouro. Mas foi na extração do diamante que se estabeleceu a
forma mais extrema dessa opressão.
Os
primeiros diamantes foram encontrados em 1729, e o regime de extração
era semelhante ao do ouro até 1740. Dos diamantes extraídos pagava-se o
quinto. Em 1740 alterou-se o regime de sua exploração, mediante o
regime de concessão e contrato, que consistia na concessão de exploração
a um único contratador, ficando este obrigado à entrega de uma parte da
produção diamantífera. O primeiro contratador foi João Fernandes de
Oliveira, sucedido mais tarde por Felisberto Caldeira Brant. Esse
sistema perdurou até 1771, quando então se estabeleceu o monopólio real,
com a instalação da Real Extração.
No
tempo de Pombal (1750 - 1777), a extração ficou limitada ao Distrito
Diamantino, atual Diamantina, absolutamente isolado do resto da colônia.
Sua administração era exercida pela Intendência dos Diamantes, cuja
criação data de 1734. No distrito, o intendente possuía poder
virtualmente absoluto, incluindo o direito de vida e morte sobre as
pessoas de sua jurisdição. Ninguém podia entrar ou sair do distrito sem
sua expressa autorização. A fim de evitar o contrabando, instalou-se um
verdadeiro regime de terror, com estímulo à delação, o que favoreceu a
criação de um clima de medo e total insegurança.
O
declínio da mineração. A partir da segunda metade do século XVIII, a
atividade mineradora começou a declinar, com a interrupção das
descobertas e o gradativo esgotamento das minas em operação. O
predomínio do ouro de aluvião, de fácil extração, não requeria uma
tecnologia sofisticada. Porém, à medida que esses depósitos aluvionais
se esgotavam, era necessário passar para a exploração das rochas
matrizes (quartzo itabirito) extremamente duras e que demandavam uma
tecnologia com maiores aperfeiçoamentos. Chegando nesse ponto, a
mineração entrou em acentuada decadência.
A
quase completa ignorância dos mineradores (o conhecimento que se tinha
era fruto da experiência) e a utilização pouco freqüente de novas
técnicas, por falta de interesse e de capital, selaram o destino das
minas no Brasil. A atividade se manteve porque a área de exploração era
grande e as explorações foram conquistando essa região até que ela se
exaurisse completamente nos inícios do século XIX. À Coroa só
interessava o quinto. Assim, a partir de 1824, já na época do Brasil
independente, concedeu-se o direito de prospecção a estrangeiros, que
recomeçaram a explorar com melhores recursos técnicos e mão-de-obra
barata.
Confira ainda:
Bibliografia:
História do Brasil
- Luiz Koshiba - Editora Atual
História do Brasil - Bóris Fausto - EDUSP
A Febre do Ouro
Ainda que a literatura e o cinema brasileiros pouco tenham utiliza do a corrida do ouro de Minas Gerais como matéria-prima para um romance ou filme, a “auri sacra fames” que inflamou os espíritos foi admiravelmente descrita pelo jesuíta italiano João Antônio Andreoni em seu extraordinário “Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas”, escrito sob o pseudônimo de André João Antonil. Embora não tratasse apenas das minas (que só ocupam um quarto do livro e onde Antonil nunca esteve), o livro faz a mais vívida descrição delas. Lançado em 6 de março de 1711, foi proibido dez dias depois e teve sua primeira edição destruída. O livro só voltou a ser publicado em 1898, depois de Capistrano de Abreu ter descoberto que Antonil e Andreoni (nascido em Luca em 1649 e morto em 1716) eram a mesma pessoa. Quando “Cultura e Opulência do Brasil” foi lançado, as autoridades perceberam que o texto aumentaria o já incontrolável fluxo de migrantes. Pelo que escreveu, Andreoni sabia disso: “A sede insaciável do ouro estimulou a tantos a deixarem suas terras e a meterem-se por caminhos tão ásperos, como são os das minas, que dificultosamente se poderá dar conta do mínimo das pessoas que atualmente lá estão. (…) Dizem que mais de 30 mil almas se ocupam, umas em catar, outras em mandar catar nos ribeiros do ouro; outras em negociar, vendendo e comprando o que se há mister não só para a vida, mas para regalo, mais que nos portos de mar. Cada ano vêm nas frotas quantidades de portugueses e estrangeiros. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil vão brancos, pardos e pretos, e muitos índios de que os paulistas se servem. A mistura é de toda a condição de pessoas: homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, padres e clérigos”.
Graças ao relato minucioso de Andreoni/Antonil, sabe-se também como eram exploradas e distribuídas as minas. O ouro descoberto estava, de fato, quase que à flor da terra – em sua maior parte, foi explorado em aluviões, nas areias e cascalhos dos rios, “numa autêntica catagem, que só necessitava braço humano, sem jeito especial ou inteligência amestrada”. A legislação real estabelecia que aos descobridores de cada jazida cabiam duas datas (pequenas extensões de terra aurífera à beira dos rios) de 900 braças (4.356m2). Uma data do mesmo tamanho seria reservada à Coroa. Cada uma das demais datas, de dimensão igual àquela, seria repartida entre os mineradores que possuíssem pelo menos 12 escravos. Aos mineiros com menor número de escravos eram entregues datas de 25 braças por escravo. Dispositivos legais posteriores dispunham sobre o direito dos mineradores ao corte de madeira e à repartição das águas. Quando a exploração se iniciava, os cursos dos rios eram desviados, separando-se trechos de seus leitos por uma ensecadeira. Cavadeira e almocafre eram os utensílios mais utilizados no desprendimento do cascalho, mas eram as bateias, as gamelas e os pratos os instrumentos finais para a “apuração” do ouro. De início, o grosso dos escravos levados às minas era de índios “domésticos” capturados pelos paulistas. Eles logo se finaram. Em março de 1709, d. João VI assinou um alvará “franqueando” o tráfico de africanos aos paulistas (até então limitado a 200 por ano). Em 1738, já 101.477 escravos labutavam nas minas.
Ainda que a literatura e o cinema brasileiros pouco tenham utiliza do a corrida do ouro de Minas Gerais como matéria-prima para um romance ou filme, a “auri sacra fames” que inflamou os espíritos foi admiravelmente descrita pelo jesuíta italiano João Antônio Andreoni em seu extraordinário “Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas”, escrito sob o pseudônimo de André João Antonil. Embora não tratasse apenas das minas (que só ocupam um quarto do livro e onde Antonil nunca esteve), o livro faz a mais vívida descrição delas. Lançado em 6 de março de 1711, foi proibido dez dias depois e teve sua primeira edição destruída. O livro só voltou a ser publicado em 1898, depois de Capistrano de Abreu ter descoberto que Antonil e Andreoni (nascido em Luca em 1649 e morto em 1716) eram a mesma pessoa. Quando “Cultura e Opulência do Brasil” foi lançado, as autoridades perceberam que o texto aumentaria o já incontrolável fluxo de migrantes. Pelo que escreveu, Andreoni sabia disso: “A sede insaciável do ouro estimulou a tantos a deixarem suas terras e a meterem-se por caminhos tão ásperos, como são os das minas, que dificultosamente se poderá dar conta do mínimo das pessoas que atualmente lá estão. (…) Dizem que mais de 30 mil almas se ocupam, umas em catar, outras em mandar catar nos ribeiros do ouro; outras em negociar, vendendo e comprando o que se há mister não só para a vida, mas para regalo, mais que nos portos de mar. Cada ano vêm nas frotas quantidades de portugueses e estrangeiros. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil vão brancos, pardos e pretos, e muitos índios de que os paulistas se servem. A mistura é de toda a condição de pessoas: homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, padres e clérigos”.
Graças ao relato minucioso de Andreoni/Antonil, sabe-se também como eram exploradas e distribuídas as minas. O ouro descoberto estava, de fato, quase que à flor da terra – em sua maior parte, foi explorado em aluviões, nas areias e cascalhos dos rios, “numa autêntica catagem, que só necessitava braço humano, sem jeito especial ou inteligência amestrada”. A legislação real estabelecia que aos descobridores de cada jazida cabiam duas datas (pequenas extensões de terra aurífera à beira dos rios) de 900 braças (4.356m2). Uma data do mesmo tamanho seria reservada à Coroa. Cada uma das demais datas, de dimensão igual àquela, seria repartida entre os mineradores que possuíssem pelo menos 12 escravos. Aos mineiros com menor número de escravos eram entregues datas de 25 braças por escravo. Dispositivos legais posteriores dispunham sobre o direito dos mineradores ao corte de madeira e à repartição das águas. Quando a exploração se iniciava, os cursos dos rios eram desviados, separando-se trechos de seus leitos por uma ensecadeira. Cavadeira e almocafre eram os utensílios mais utilizados no desprendimento do cascalho, mas eram as bateias, as gamelas e os pratos os instrumentos finais para a “apuração” do ouro. De início, o grosso dos escravos levados às minas era de índios “domésticos” capturados pelos paulistas. Eles logo se finaram. Em março de 1709, d. João VI assinou um alvará “franqueando” o tráfico de africanos aos paulistas (até então limitado a 200 por ano). Em 1738, já 101.477 escravos labutavam nas minas.
"O trabalho da bateia e do carumbé, do almocafre e da pá
foram operações que converteram o Brasil das minas em um superinferno de negros,
perto do qual o dos engenhos e fornalhas de açúcar, por Antonil apontado, não
passou de indulgente purgatório", escreveu Afonso Taunay.
Cobiça e
Contrabando
Como
aconteceria um século mais tarde na Califórnia e, em seguida, no Alasca e na
África do Sul, a região das Minas Gerais, logo após a descoberta do ouro,
"constituía uma república onde o atrevimento imperava armado e o direito vivia
inerme". A lei e a ordem levaram seis anos para se estabelecer no reino da
cobiça. Nesse período - de 1694 a 1700 -, as fronteiras da civilização no Brasil
eram percorridas "por homens de toda a casta e de todas as partes, gente de
cabedais e aventureiros sem vintém, em número enorme: os primeiros, arrogantes e
prepotentes, acompanhados por espingardeiros, violentos, vingativos, jogadores e
devassos; os demais, em geral, vadios e ladrões inveterados, traidores e
assassinos". Quando o poder constituído enfim se estabeleceu nas "minas de
Taubaté", a figura escolhida para representá-lo não poderia ser pior. Artur de
Sá e Meneses, ex-capitão-general do Maranhão, fora empossado como governador do
Rio em abril de 1697. Em outubro do mesmo ano, foi a São Paulo (inflamada por
uma guerra civil entre dois clãs rivais). Lá, além de perdoar Manuel de Borba
Gato do assassinato de Rodrigo Castelo Branco, nomeou-o guarda-mor dos sertões
mineiros (a nomeação só se tornou oficial três anos depois) e instigou os demais
habitantes da cidade a "dar todo o calor à laboração das minas". Entusiasmado
pelo ouro que teria recebido de Borba Gato, Artur de Sá decidiu partir para
Minas em agosto de 1700 e lá ficou até junho do ano seguinte. Em setembro de
1701, resolveu passar mais dez meses na região. Quando retornou ao Rio, em 12 de
julho de 1702, trazia consigo 40 arrobas de ouro (cerca de 580 kg) "oferecidas"
pelos mineradores. Ao embarcar para Portugal, em 1705, "arqui-satisfeito com o
resultado das jornadas a que se abalançara", o ex-capitão de infantaria tinha sé
tornado "um dos sujeitos mais opulentos da monarquia". As duas jornadas às
minas, porém, haviam lhe debilitado de tal modo a saúde que, quatro anos mais
tarde, Artur de Sá - chorado publicamente como uma "indeslembrável figura” -
morria em Lisboa, sem deixar herdeiros.
A herança de
Artur de Sá e Meneses fora a primeira legislação mineira aplicada aos fabulosos
achados auríferos das Minas Gerais. Antes da descoberta, a disposição legal
sobre a tributação do ouro se resumia às Ordenações Manuelinas, de 1532,
estipulando que um quinto do minério extraído pertenceria à Coroa. Com a riqueza
aflorando da terra e a dívida externa de Portugal sendo duas vezes superior a
sua renda, as Minas seriam vitimadas por uma das mais absurdas e rigorosas
taxas de tributação criadas até então. Aos mineradores não eram cobrados apenas
os quintos, mas também "direitos de entradas" (sobre todos os produtos vindos de
fora, em alguns casos até 75% do valor da mesma mercadoria no porto do Rio),
"direitos de passagem" (espécie de pedágio cobrado nos rios), dízimos para a
Igreja e o "subsídio voluntário" (criado pelo marquês de Pombal para ajudar na
reconstrução de Lisboa depois do terremoto de 1755). Dos dízimos pagos pelos
mineiros ao receberem suas datas provinham os ordenados dos superintendentes,
guardas-mores, guardas-menores, oficiais e policiais que patrulhavam
furiosamente a região das Minas. Todas as estradas, rios e passagens possuíam
casas de registro e o ouro só podia circular em barras ou com uma guia. Ainda
assim; calcula-se que pelo menos 35% do metal (cerca de 300 toneladas) extraído
da terra foi contrabandeado. A legislação mudou várias vezes (em
1701,1713,1715,1718,1719,1725,1730 e 1750). Em 1713, os mineradores ofereceram,
em troca da suspensão do quinto, uma finta de 30 arrobas anuais à Coroa (baixada
para 25 arrobas em 1718 e aumentada para 37 arrobas anuais em 1719). Mas em
1735, quando o governador Gomes de Freire quis estabelecer um imposto de 17
gramas por ano por escravo, os mineradores ofereceram uma finta de cem arrobas
anuais para a Coroa. Mais do que o esgotamento dos veios, foi a tributação
abusiva que provocou a decadência das minas, não sem antes ter feito eclodir, em
Vila Rica, a Inconfidência Mineira.
O Ouro do Brasil em dados estatísticosTotal de ouro extraído de Minas: 874 toneladas em 80 anos (1700 a 1780).Outras descobertas: Em Goiás, em 1727, pelo Anhanguera - essas minas renderam 160 toneladas - e em Mato Grosso, por Moreira Cabral, em 1729 -renderam 60 toneladas.Conseqüências no Brasil: A mudança da capital de Salvador para o Rio, a ocupação de Minas, Goiás e Mato Grosso e a fermentação da independência.Conseqüências em Portugal: A Coroa deixou de depender dos favores da corte, aumentando seu poder e independência internos. Externamente, após o Tratado de Methuen (1703), Portugal se tornou totalmente dependente da Inglaterra. Proibido de ter indústrias, o país cederia todo seu ouro em troca de bens manufaturados.Quem mais lucrou no Brasil: O padre Guilherme Pompeu, "que às minas jamais foi ter", virou magnata ao se tornar fornecedor e banqueiro dos bandeirantes.Quem mais lucrou em Portugal: Embora a riqueza das minas fizesse com que d. João V fosse chamado de "Rei-Sol português", foi depois da morte dele, em 1750, e a conseqüente ascensão de d. José I, que chegou ao poder o homem que, politicamente, mais se beneficiou com o ouro brasileiro: o todo-poderoso marquês de Pombal.
O Distrito
Diamantino
Como se todo o fausto e os favores que o ouro trouxera para a
corte não fossem o bastante, em 1727 chegava a Portugal a notícia de que, nas
fraldas do Serro Frio, num lugarejo conhecido por Arraial do Tijuco (hoje
Diamantina), surgira uma grande lavra com os mais reluzentes diamantes. Dom João
V exultou. Pelo reino todo se celebraram "festas esplêndidas, e te-déuns e
procissões inumeráveis que extasiaram o povo português, por quadrarem à sua
religiosidade. Para Roma remeteu o governo as primeiras amostras. Ações de
graças solenes se deram ao Todo-Poderoso na capital do mundo católico. O santo
papa, os cardeais e todos os monarcas da Europa felicitaram d. João V. Não se
ocuparam os povos da terra com outro objeto e notícia. Dir-se-ia que se
descobrira coisa que devia regenerar e felicitar o universo".
No Tijuco, porém, a alegria duraria pouco. A política que
Portugal instaurou no distrito diamantino seria das mais repressivas e
opressoras da colonização européia na América.
A notícia oficial da descoberta dos diamantes foi feita uns
dez anos após os primeiros achados. O lusitano Bernardo da Fonseca Lobo, que
achou uma "faisqueira" em 1723, é tido como o primeiro descobridor, mas desde
1714 havia notícias do surgimento de diamantes e topázios. Assim que a riqueza
do veio ficou evidente, Lisboa anulou todas as cartas de datas concedidas na
região e declarou a extração de diamantes o mais absoluto monopólio da Coroa,
constituindo o Distrito Diamantino, com sede no Tijuco.
Por quase cem anos, a Coroa manteve a zona diamantina na mais
absoluta clausura, proibindo a presença de "negros e pardos livres, de
desocupados ou pedintes". Vendas e tabernas foram fechadas, comerciantes
expulsos. Um estado policial se instalou na região. A situação permaneceu igual
mesmo depois de 1740, quando a Coroa decidiu "vender" o direito de exploração a
um contratante. O sistema perdurou por 30 anos e revelou-se mais eficiente:
extraíram-se, então, 1.666.569 quilates das minas.
O Brasil jogou tantos diamantes no mercado europeu que o
preço do quilate caiu 75%. Dos seis contratantes que detiveram o poder de
explorar os diamantes, quatro caíram em desgraça depois que o marquês de Pombal
assumiu o comando da corte em Lisboa. Ao longo de sete décadas (de 1740 a
1810), o Brasil produziu cerca de 3 milhões de quilates. Mais de 10 mil escravos
trabalharam nas minas -muitos deles, bem como vários "vadios" capturados na
região, foram torturados até a morte sob a acusação (às vezes irreal) de roubo
de diamantes.
Apesar da clausura medieval imposta às minas, em 1809 o
viajante inglês John Mawe - geólogo diletante mas competente - obteve permissão
para visitar o Arraial do Tijuco. Fez um relato detalhista e fluente. Junto com
o clássico "Memórias do Distrito Diamantino", escrito em 1868 por Joaquim
Felício dos Santos, a "Viagem ao Interior do Brasil", de Mawe, permanece como
fonte fundamental para o estudo do reluzente e trágico período dos diamantes.
Xica da Silva
De todos os incríveis personagens forjados pela opulência de diamantina , talvez nenhum tenha sido mais extraordinário do que a ex-escrava Xica da Silva, também conhecida como Xica que manda. Amante do desembargador João Fernandes de Oliveira, sexto contratador dos diamantes - homem “rico como um nababo, poderoso como um príncipe e soberano do Tijuco”-, Francisca da Silva era filha de um português com uma africana e fora escrava de José Silva Oliveira (pai do inconfidente José Oliveira Rolim). Assim que foi libertada e se tornou amante do desembargador, Xica da Silva virou a pessoa mais influente do Tijuco. O marido mandava na cidade, e ela mandava no marido.
Xica da Silva ia à missa coberta de diamantes, acompanhada por 12 mulatas esplendidamente trajadas. “O lugar mais distinto do templo era-lhe reservado”, diz Joaquim Felício dos Santos, segundo o qual Xica era “alta, corpulenta, de feições grosseiras e cabeça raspada; não possuía graças, não possuía beleza, não possuía espírito”. O historiador nasceu 12 anos depois da morte de Xica (ocorrida em 1796). Felício descreve também o “magnífico edifício em forma de castelo, com teatro particular, delicioso jardim de plantas exóticas, cascatas artificiais e um vasto tanque, com um navio em miniatura para oito ou dez pessoas” que João Fernandes - logo derrubado por Pombal fez construir para a amada.
Bibliografia:
História do Brasil - Luiz Koshiba - Editora Atual
História do Brasil - Bóris Fausto - EDUSP